Por Stefania Giotti Cioato
Mestra em Medicina. Doutora em Farmacologia pela UFRGS. Enfermeira na Unidade de Terapia Intensiva Cardiológica do Hospital Universitário de Giessen e Marburg, em Giessen, Alemanha.
Os cuidados de saúde na Alemanha estão divididos essencialmente em três áreas: Cuidados primários, sob a forma de atendimento ambulatorial; Cuidados para enfermidades agudas, que requerem internação hospitalar, seja ela em nível de hospital-dia para procedimentos, enfermaria ou terapia intensiva e cuidados de reabilitação. Essa estrutura é financiada pelo governo federal, que investe em torno de 498 bilhões de euros por ano na saúde. No que tange aos leitos hospitalares, as estatísticas de 2022 mostram em torno de 480 mil leitos, aproximadamente 8 leitos para cada 1.000 habitantes. Considerando que, dentro dos preceitos do sistema de saúde alemão, os hospitais têm a tarefa de garantir assistência de alta qualidade ao paciente, principalmente, quando se trata da alta complexidade. Este é o caso de cuidados em terapia intensiva, onde se faz necessário um forte arcabouço tecnológico.
Historicamente, a Alemanha apresenta-se no mercado de produtos em saúde como um dos expoentes mais robustos e estabelecidos, sendo o maior na Europa e estando mundialmente atrás apenas dos Estados Unidos e Japão. Marcas como Fresenius, Siemens, Bayer, Carl Zeiss e Dräger foram fundadas no país, no século 19, e são conhecidas pelo desenvolvimento de tecnologias para a saúde de alta qualidade. A infraestrutura bem estabelecida e a demanda por produtos e por cuidados diretos ao paciente fazem com que o setor saúde seja o maior empregador da Alemanha, com, aproximadamente, 5,8 milhões de profissionais contratados.
Em contraponto, o déficit de capital humano qualificado na Enfermagem é um problema crescente no país. Estima-se que faltem no mercado, atualmente, 30.000 enfermeiros, com uma projeção de aumento exponencial deste déficit ao longo da próxima década. Esse fenômeno resulta do aumento da procura por serviços de saúde, em um contexto de alterações demográficas, assim como do número cada vez mais reduzido de enfermeiros formados na Alemanha. O contexto faz, portanto, com que a carga de trabalho seja distribuída sobre poucos ombros, o que leva os profissionais à exaustão física e mental.
O cenário atual de saúde e a condição econômica privilegiada do país abrem espaço para que, cada vez mais, a tecnologia seja incorporada no dia a dia do cuidado realizado pelo enfermeiro e na assistência médica prestada ao paciente. A digitalização da documentação e prescrição do paciente e o registro automático dos sinais vitais a partir de monitor multiparamétrico no prontuário eletrônico são exemplos de ferramentas que contribuem para a segurança e qualidade da assistência. Uma realidade como a da Alemanha, em que estão disponíveis computadores e/ou tablets à beira leito para os registros, contribui para a otimização do tempo do enfermeiro, que pode priorizar os cuidados diretos ao paciente e garantir que os registros e checagens de prescrição sejam feitos em tempo real, evitando esquecimentos e erros.
Curativos inovadores, Impella® ou Centrimag®, máquinas de diálise cada vez mais completas e versáteis, incluindo diálise hepática, bombas de infusão seguras e inteligentes, que otimizam as diluições e diminuem o trabalho direto do enfermeiro, reduzindo custos e o impacto ambiental resultante do descarte de resíduos, fazem parte da rotina diária deste profissional. Tais recursos abrem uma gama de possibilidades de cuidados a serem oferecidos ao paciente. Se por um lado a disponibilidade de equipamentos e dispositivos que agregam cada vez mais inovação oferece segurança, informação e automatiza certas tarefas do enfermeiro, por outro, o profissional à beira leito precisa ser cada vez mais atento e capacitado.
São indubitáveis as melhorias que o avanço tecnológico proporciona para a assistência de enfermagem ao paciente e o seu impacto na chance de sobrevida daqueles mais graves. Entretanto, há de se reconhecer que o avanço nos recursos tecnológicos exige profissionais cada vez mais comprometidos, vigilantes e treinados. Indo além, pode-se dizer que não há qualquer sentido em desenvolver produtos e equipamentos cada vez mais avançados se o enfermeiro que os utiliza e maneja é insuficiente no raciocínio clínico e na utilização dos recursos disponíveis. E este é o principal desafio da Alemanha na atualidade, mesmo com todos os recursos financeiros e tecnológicos: suprir a falta de enfermeiros qualificados, uma vez que o cuidado ainda depende na sua quase totalidade do capital humano.
Referências:
- Statisa. Disponível em https://de.statista.com/themen/268/krankenhaus/#topicOverview e https://de.statista.com/statistik/kategorien/kategorie/9/themen/75/branche/medizintechnik/#overview
- Bundesministerium für Gesundheit. Disponível em https://www.bundesgesundheitsministerium.de/themen/gesundheitswesen/gesundheitswirtschaft/gesundheitswirtschaft-als-jobmotor.html